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quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Paredes

"À sombra de Renoir

Por muito que a paisagem mude, neste postal,
saberás que a mesma mulher estará sempre
sentada entre os impressionismos da despedida.
Saberás que ela deseja, subtilmente, que o futuro
não chegue e não lhe vire a página do livro
fechado no seu regaço.
Saberás que também tu o desejas. Que também tu
queres que o dia se suspenda e permaneça nesta
estação onde te recusas a embarcar.
O teu comboio só parte quando
estiveres disposto a reerguer o teu castelo de nuvens.
E tu sabes que isso é a morte adiada de
todas as tempestades que trazes encarceradas no peito
e que te encarceram um voo mais alto.

Levanta-te dessa sombra de Renoir, abre o peito
ao vento. Deixa que as cores deste postal
impressionem as tempestades que tens que varrer com
minúcia de ourives. Talha o teu coração na
manta dourada da filigrana do sonho. Só assim
poderás acenar, da tua carruagem, às memórias sofridas
que ficaram a dizer-te adeus, da estação que parte.


MB, 13-09-07 "



Obrigado ***



quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Naufrágio

Para todo o lado que olho, vejo fetos e destroços e abortos de conversas despenteadas, vejo colmeias vazias de vôos incessantes, de tempos idos em viagens sem rumo, de semi-sonhos desfeitos em poeira do deserto em que todos caminhamos. Vejo a memória que um dia se irá merecer. Há um odor próximo à inadiável manhã, vem aí mais um irrespirável dia, mas para mim será sempre noite. Uma imensa, escura e sombria noite. Como eu gosto. Esgotei o mau senso de me recriar com o ar rarefeito pelo qual tantas vezes me deixo embriagar. Dias diferentes, algo do momento que foi preciso. Era preciso magoar? Tinha mesmo de ser? Se não fosse de chorar, daria para rir. E percebo onde caio, e onde quero cair, e onde não queria cair, e como me odeio por cair. E como nada nunca mais será o mesmo, porque se adiam os dias. Tudo o que sei é que chove em todos os recantos duma alma assim. E não há um só abrigo à vista. Naquele dia, tudo me pareceu infinito, ou finito duma forma infinita, ou pura e simplesmente nem sequer me ralava. Tudo sabia bem, tão bem, que julguei ter lábios de chocolate. Ou não eram dos meus o gosto doce que a mim fazia toda a impressão de que não havia amanhã. Que bem que podia não haver. Senti o doce enleio do vácuo a aspirar tudo que havia, e acho que sem notar, notei a diferença no fim. Senti a picada fatal, a saída de cena, o estrangulamento venal. Mas o que importa é que houve um pedaço de perfeição, e achei ter ouvido querubins e violinos. Violinos e querubins. E por um segundo que fosse, o mundo foi meu. Toquei o céu sem saber que, debaixo de meu pés, o chão desabava. Eu não sabia, mas a Primavera que se me anunciava, tinha sido Outono já dentro do ventre. É irrelevante, o final. Esse cutelo mor. Corta apenas quando deixas.
Para todo o lado que olho, vejo-me a mim.
Naufragado em riste, um abismo sem fim.

sábado, 1 de setembro de 2007

Mel(ancolia)

Tranquei as portas da minha mente, porque estes são espaços em que mais ninguém vai entrar. Por hoje. Não sei mais como irão sair as ideias, as respostas e as perguntas, se as fecho comigo, se as quero à solta na clausura que há em mim. Sei apenas que as ondas, a chuva e o céu terão de se cumprir na mesma sem que eu esteja lá para testemunhar. Sonho com o dia em que reduzirei as necessidades ao pó da estrada que ficar para trás dos meus passos. Não pode haver uma só raiz que impeça quem nos arranque à terra, mas será sem dúvida tão belo como o sangue que corre uma nova veia que nunca havia explorado. Porque te vejo na vida que quero para mim. Porque eu conheço a tela em que pinto os retratos da minha vida, como se fossem inquebrantáveis pétalas do mais lindo malmequer, e sei que esta é uma imagem nova, e como isso é sempre sedutor. Se há algo em que vale a pena confiar, é em quem confia em nós. Costumava haver um tempo em que era muito mais fácil darmo-nos, e com isso recebermo-nos. São coisas que julgamos perder até as acharmos no mais fundo dos bolsos. É no fundo a saudade dum tempo por vir, e julgo que nada é tão único como o começo de todas as coisas. Amanhã, será o início dum novo ciclo, os mesmos degraus onde tropeçamos estarão lá, já os sabemos de cor, e de certeza que cairemos de novo perante eles, se nos aprouver, porque a dor é uma coisa engraçada, que nos atrai tanto como atraiçoa. As quedas nunca são iguais, como a esperança também não o é. Somos no fundo seres voláteis à nossa própria volatilidade. Constantemente mentimos a nós mesmos, prostituindo a nossa mente ao deleite insano do coração. De qualquer modo, sei que posso voar se assim quiser, porque as asas estão aqui. Só não vamos onde não queremos, e uma força muito maior do que nós deixará sempre que pensemos que coube a nós toda a escolha. Porque as estradas estão aí para caminhar, e ainda há muito sal de lágrimas para provar, muitas velas por soprar, muitos livros por escrever, e muitos amigos por fazer. Vidas novas nas quais possamos viver a morte de outras. Não é?