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quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Tenazes loquazes

Hoje sinto-me desprovido de pele. Não acuso a protecção quase maternal da epiderme, porque algo diferente me rodeia, me cobre, me enleia como um novelo de lã ou linho. Apertado, apertado. Apenas sei que isto não é a minha pele, não pode ser. Deixei-a caída algures num lugar onde não precise dela, porque será onde a irei buscar quando me deixares. Irei por ela e pelas marcas das jornadas que traz e que dantes me orgulhava, quando eram a única coisa digna de amor. Volto sempre aos braços delas. Sinto-me um pobre extremamente agradado com a sua riqueza, porque sinto e sei que as montanhas e os vales não dependem de mim para se comprometerem com a eternidade. Antes dependessem, seria sinal de que o carrossel seria mesmo permanente, e de que aquele momento não teria tido a brevidade dum fôlego que se esvai. Mas olho e não vejo o que vejo. Não há nada mais inquietante do que o fino e indiscreto labor da falsa crença. E nada pior do que perder o sentido dos sentidos. E uma certeza deixo. Os que realmente partem nunca o anunciam. Simplesmente partem. Só assim faz sentido o vazio que tem de ficar deixado em alguém, para ser sentido como merece, nas entranhas por cumprir do coração. Apertado, apertado. Como deve ser, quando se apercebe que é tarde.

4 comentários:

patricia disse...

Cada cobra deveria ter uma casa
como o caracol
e dentro dessa casa deveria
ter gavetas
onde guardar as peles
que vão saindo caindo

quando partissem
deveriam abrir as gavetas
com uma agulha
coser as peles
remendar a manta
mas nunca os buracos

antes de partir
sem anunciar
deveriam deixar
em herança as peles
e os que ficam
deveriam
abrir as suas gavetas
e preencher os buracos

para mais tarde se enroscarem
numa vida que também foi deles
numa vida vivida a muitos!

***

Anónimo disse...

Ando sem palavras...hesitei entre comentar ou não...entre não dizer quase nada ou deixar-me ficar com o explodir do coração que este texto me causou dentro do peito. Parece que sinto a respiração na minha cabeça...

Não sei oq diga...apetecia-me falar, escrever não...ou então ficar diante do espelho a ouvir e compreender oq o meu olhar diz, imaginando que outra pessoa estava ali, do outro lado de mim...

Dos melhores textos (embora o termo "melhor" seja ingrato), mas de ingratidão está o mundo cheio...até o interior...

Gosto mt deste espaço...gosto mt das novidades familiares que oferece...

Beijo*

Anónimo disse...

Será que podemos dizer que é tarde? Se fizemos alguma coisa é porque ainda fomos a tempo de a fazer. Podemos, de facto, ser obrigados a mudar de pele, mas as Crisálidas Pálidas também sofrem a metamorfose do corpo. Tu metamorfoseias a alma...
Só partem aqueles que nos deixam um vazio na sua ausência. Porque são os que nos preenchem que fazem falta, mesmo quando nos apercebemos que o inquilino é abusivamente mau...

Apertado, apertado... todos temos assim o coração... Apertado, apertado...


Um beijo do tamanho do mundo
Cuida-te

Marta

Branca Toledo disse...

Muito bonito...