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quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Algozes

Tenho andado a seguir um trilho diferente. Um caminho sem mãos dadas, sem faróis acesos rumo ao horizonte e que exige passos solitários. Um lugar onde me é destinado estar. Uma casa sem tecto e de paredes despidas, e cujos cantos sombrios me acolhem sofregamente. Andei longe de mim mesmo para me conseguir ver, e não sei ainda se gostei das tatuagens que vi em minha epiderme, daquelas que marcam a sulcos qualquer um que consiga vislumbrar para além da superficialidade da minha retina. Ardemos devagar e em lume brando, e todas as coisas nos parecem demasiado ou muito pouco. É aquilo que descobri. E hoje olho e não vejo mais o mesmo. Vislumbro marcas de sujidade em minha cara, sinais do tempo passado de rosto encostado às costas da vida, e sei que por arrasto e por não ter reparado a tempo, sucumbi e morri e nem sei onde deixei meu corpo. Não sei também se o quero encontrar. Há algo de muito impessoal nas pequenas mortes que nos fazem sentir. São chagas voláteis e inaudíveis, algozes da alma que vorazes nos mordem e nos comem. Julgamos perecer, mas depois celebramos a borboleta que resulta do casulo em que teimamos não nos transformar até percebermos que nos torna mais fortes. Pelo menos até amanhã. Será sempre essa a luz escura que alumiará o trilho diferente. Será sempre essa a mão dada e o farol aceso, e os passos que der, serão sempre feitos da solidão que vislumbrei ao ver-me a mim mesmo. Tatuado, ardendo devagar.

4 comentários:

Anónimo disse...

Às vezes (ainda que necessários) somos nós que nos exigimos passos solitários, destinando-nos a lugares onde se calhar nem mereciamos estar ignorando a nossa casa que afinal tem tecto, cujas paredes estão vestidas e onde nada de sombrio nos acolhe (sendo nós quem acolhe o espaço sombrio). E para nos vermos, caimos no erro não estarmos perto de nós e a distância... essa... distorce tanta coisa...

Esperar que alguém nos vislumbre além da retina é depositar fé no improvavel, pior ainda, é depositar forças onde elas não servem de muito, quando deviam estar aplicadas a favor de quem realmente sabe e conhece o que está implicito na superficialidade da “retina”: nós mesmos!!

“(...)todas as coisas nos parecem demasiado ou muito pouco”, quanto a isso... partilho... mas deixa-me dizer-te que sei que se quiseres sabes onde deixaste o teu corpo e sabendo-o vais perceber que não foi sucumbido, nem ele, nem tu e que ainda podem unir esforços, serem um só!!

“E hoje olho e não vejo mais o mesmo.”, eu também!! (o tanto que me diz esta frase), mas... pq haveria de querer ver o mesmo?? Pela ilusão das coisas?? Depois de muitos tombos e encontrões da vida não sei se valeria a pena ver o mesmo e há algo que definitivamente não quero saber: que sou alguém incapaz de ultrapassar as incapacidades do mundo em redor... vou continuar a olhar, a ver (sendo o mesmo ou não) na certeza de que o hoje será amanhã e nele estarei eu, melhor, diferente, que seja, mas estarei lá, por inteiro!!

“Há algo de muito impessoal nas pequenas mortes que nos fazem sentir. São chagas voláteis e inaudíveis, algozes da alma que vorazes nos mordem e nos comem. Julgamos perecer, mas depois celebramos a borboleta que resulta do casulo em que teimamos não nos transformar até percebermos que nos torna mais fortes.” A conclusão foi tua!! Aproveita-a certo??? Não a contraries porque sei o que vales e fazendo-o estarias a contrariarte a ti mesmo!

Anónimo disse...

Sei que nunca leste um livro que me marcou muito, que é o Gente Feliz com Lágrimas, de um açoriano que se chama João de Melo, mas acredita que mal comecei a ler este post a minha memória leu mais uma vez o livro.
Um livro que me ensinou que se morre vezes sem conta até nos conseguirmos encontrar nos meandros da nossa complexidade e densidade emocional. Que me ensinou que os algozes que nos torturam são mares bravos onde os faróis indicam que ainda há terra onde podemos chegar e, mesmo aí, podemos arder nas fogueiras do nosso próprio jogo onde procuramos chegar a casa, chegar à nossa felicidade sábia.

"Será que tens coragem de ser um homem que nasceu para ser feliz?"

A vida ensina-nos muitas vezes a saber conjugar as lágrimas do coração apertado com as lágrimas do sorriso aberto.

Por isso, aos algozes que nos mandam pôr a cabeça no cepo ou nos marcam a ferros devemos mostrar, no meio das lágrimas, um sorriso de superioridade. E saber que as paredes não se desmoronam, elas tão sempre lá porque "we're just like superstars".

Um abraço apertado
Marta

Vaskio disse...

Percebo agora que a prolongada ausência criou-vos sede de comentar. Corri o risco de vos perder e ao vosso interesse, para afinal descobrir que essa sede era tamanha que as opiniões desafiam até o tamanho de minhas criações. Não tarda, deixarei de ter visitas para me ler, porque as pessoas virão apenas para ler os comentários que certas e determinadas pessoas me fazem...

patricia disse...

Somos cemitérios vivos
cada marca uma campa
cada campa um corpo
e cada corpo uma vida

e a cada cruz marcada
segue-se a bolinha
do número que ninguém contempla
marcando uma nova vida
um novo corpo
a próxima campa
a próxima cruz...

não é este afinal o ciclo da vida?

***