Deste lugar feito mito onde me sento, vislumbro a cidade do futuro. Vejo o castanho do ferro, o cinzento do betão, o azul do lume brando e o laranja da labareda selvagem. Vejo o encarnado aviso às aeronaves. Farolins que não apontam para lado algum, apenas estão lá. Como os amigos. É o que todos somos no fundo. Vejo o fumegante labor dos canhões em riste e acho que libertam o mesmo que eu. É o que eu sou no fundo. É então este o tempo. É esta a era de todos os encantos se despirem de ilusões. Apagam-se as palavras antigas da memória, porque ela é volátil, responde traiçoeiramente aos desejos do relógio que queremos usar no pulso, aquele que funciona pelas batidas do coração, até ele falhar. Aí, o relógio deixa de funcionar, e o tempo já não passa. Ou passa, mas já não importa, porque o coração parou e o relógio também. E não se sabe qual depende de qual, se o relógio do coração, ou o coração do relógio. Só se sabe que tal como funcionam juntos, também param juntos. E isso é tudo que importa. Neste lugar onde as palavras ficam e perduram, apagam-se todas aquelas que não merecem este altar. Não sou o único a estar aqui. A magia dum pedaço de história toca muita gente, e vejo na sua alegria de agora, a minha de outrora. Sei onde fica o lugar certo para estar, sei qual o caminho que me leva lá, e... ocorre-me uma ideia, que assento para não esquecer: Sabes quando algo mexe tanto, mas tanto contigo que, por muito que haja para dizer, perdes toda e qualquer vontade de o fazer? Levanto-me somente porque estava sentado. Digo adeus a alguém que não está, e até breve ao meu mais fiel amigo. Porque este é o lugar de onde vejo o futuro, cada vez mais presente que o passado.
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6 comentários:
Relógio vs coração... os meus nunca funcionam juntos...
Este texto é
.................................
sim, desses que nos deixam sem palavras, desses!!!
Aplausos com direito a bis e uns tantos bravos lá no meio...
“Sabes quando algo mexe tanto, mas tanto contigo que, por muito que haja para dizer, perdes toda e qualquer vontade de o fazer?” Sei.
“Levanto-me somente porque estava sentado. Digo adeus a alguém que não está, e até breve ao meu mais fiel amigo. Porque este é o lugar de onde vejo o futuro, cada vez mais presente que o passado.” Também eu.
Este texto, provavelmente, foi o que mais custou a escrever. O coração é um relógio, ou nunca reparaste como ele marcas as horas e os dias sem o que mais queres? E depois quando estás perto disso, ele bate mais rápido, como se o tempo também ele fosse passar mais rápido, e passa mesmo! É daí, julgo, que vem a expressão "time flies when we're havig fun"... Trata-se duma despedida, mas não a alguém. Quem é Jean Grey? ;)
Jean Grey só conheço a personagem animada... mas essa só tu a sabes...;)
Devo confessar que este texto me incomodou bastante... aquele tocar na ferida, aiiiii!!
Estou ansiosa por novos para poder respirar de alivio e voltar a fingir que o batimento cardiaco encontra sintonia...
E é essa mesma que me refiro, não há outra... Eu sei que meus textos incomodam, acho-os deliciosamente incomodativos. Ou não. Lol :)
(..)Mas uma coisa é a hora do relógio, e outra a do ar e do céu que mudam, e outra ainda a do coração.
Samuel Beckett, in Primeiro amor
Beckett? Tocas num nervo sem saber. Ele resume a minha incongruência contraditória, é uma influência diária nas frases ambíguas que escrevo.
"Então, entrei em casa, e escrevi: 'É meia-noite. A chuva fustiga as vidraças. Não era meia-noite. Não chovia'."
Samuel Beckett, in Molloy
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