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terça-feira, 19 de junho de 2007

Quimera

Não garanto a mim mesmo que consiga sobreviver ao que vou escrever. Há-de ser tamanho o turbilhão que alguém irá questionar a sua razão. Não me importa, não me rala, não obedeço a mim mesmo, quanto mais aos outros. Fechei-me num quarto vazio sem janelas nem cantos onde me esconder ou viver o outro, experimentando sentir coisas vãs, negras e horríveis, e este há-de ser o resultado. O encarnar doutra pele, onde o pulsar das veias a rasgam com a facilidade dum sorriso hipócrita. Porque tu vieste fechar a porta para que eu não mais saísse desta divisão indivisível de mim mesmo. Há outro ser criado que fala e ninguém me pode responsabilizar por ele, pois não sou ele e ele não sou eu. Vou repetir para que não se ache que é engano e não haja dúvida: não sou ele e ele não sou eu. As coisas são quimeras contruídas sobre as cinzas do que nunca valeu a pena evitar. Quis a razão sem querer que houvesse coragem para soltar da prisão as palavras silenciadas em vão pelo fulgor dos dias inadiáveis. Dizem que faz bem ser capaz de estar bem. Consegui-lo é uma batalha diária para alguns. Muitos perecem nas trincheiras da histeria do bater de asas duma borboleta. É incrível o poder que a relatividade pode ter sobre as pessoas, quando o pulsar dum sentimento se lhes escapa. Pensando bem, nunca pensei tão mal. Salvei os rascunhos de todos as coisas redigidas, menos aquelas que deixei as chamas levar pela areia fora. Essas jamais serão repetidas, porque o tempo foi capaz do pior e se lhes levou a melhor. Do que falo senão do fragor da espuma do mar vindo ao encontro dos meus pés? Não haverá jamais palavras que possam descrever a torridez de tamanha frescura. É como falarmos baixo para paredes altas, ás quais não iremos sobreviver porque não nos entendemos além da masmorra torácica. Eis um alojamento perfeito para a mudança de ocasos casuais da lua. Já nem sei o que digo. Morri para além do equacionar das equações em que deixei cair caído o meu próprio pensamento, e deixei apenas a sonoridade do som me levar a navegar pelo éter, como se eu mesmo me confundisse com a maresia hertziana. E fosse eu tudo aquilo que querias ouvir. Alguém que sobreviva às suas próprias palavras, será eterno.
Estou vivo. Elas também. Prossiga a quimera.

5 comentários:

* misty * disse...

Podem ser ditas mil e uma coisas sobre este post… identifico-me com algumas frases, com alguns estados de espírito que emanam dele de uma forma desconcertante. O poder das palavras é imenso, e por isso tens razão quando dizes k é eterno quem a elas sobrevive. É bom encontrarmo-nos nas palavras, é mesmo mt bom. mesmo que por vezes elas sejam apenas isso, quimeras!... prossiga então essa quimera ;)

patricia disse...

Quimera... quem dera que me dera uma mera... mera... mera...

as palavras suplantam-nos sempre! É inevitável. E no transbordo algo escapa e sobrevive ao que se sente e o que se sente sobrevive a palavras duras, rigídas, imóveis no tempo.

As palavras são cruzes que carregamos e queremos pousar, para aliviar o peso. Mas elas reclamam sempre o nosso ombro. E ele próprio já não sabe para que serve senão para as carregar, descarregar, para as chorar e para as acarinhar.

O meu mundo é das palavras... delas não me liberto... nunca.

***

Anónimo disse...

Alguma vez nos garantimos? Invejo essas pessoas que se garantem... também gostava de ser daqueles que se obedecem meticulosamente. E eu que me dizem tão sincera uso e abuso da hipocrisia em proveito próprio.

Também não fui eu quem fechou a porta! Raios! Mas afinal não estou sozinha neste turbilhão? ! no intermédio de não ser ela e ela não ser eu ficam lacunas, tens razão, talvez quimeras, só não sei se por o que nunca valeu a pena evitar ou pelo que mesmo evitando teria valido a pena. Raios novamente! Comigo o tempo também leva sempre a melhor, podiamos juntar-nos contra ele, talvez se fossemos muitos a luta resultasse!

“E fosse eu tudo aquilo que querias (...)” interrompo a minha culpa para ir lendo mais uns textos, entretanto ela volta... volta sempre, quiçá um dia deixe de aparecer, aquando daquele inevitavel que tão bem falavas.

Mel

Vaskio disse...

Adoro os diversos sentidos que minhas palavras tomam. A minha quimera sei-a eu. Não é uma verdade insofismável, não é uma certeza inquestionável. É uma simples força que me vai fazer acordar pela manhã, sem ter certeza de que quando me deitar ainda lá estará.

Anónimo disse...

Nós, autores, verificamos que a posse das plavras é mera pretensão, deixam de nos pertencer... através desses diversos sentidos...

Para que a força se mantenha essa certeza (ainda que implícita) está lá.

Acrescentaria afirmativamente que “a minha quimera sei-a eu”:p