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sexta-feira, 20 de julho de 2007

Absoluto Obsoleto

Estou em crer que também as palavras caducam. É um problema que tem a ver com o seu significado. Ironicamente. Porque é um relevo que a chuva do tempo lava e destrói num ápice. Acho que tenho o meu dicionário repleto de palavras caducas, decadentes e já vazias de significado. Algumas porque nunca o tiveram, embora eu achasse que sim. Porque ele existia. E ele está lá, escrito à sua frente. Mas eu não o vejo, não o leio, não o entendo. Nada é para mim. Preenche-me da mais absoluta insignificância, e é uma ignorância que me agrada, porque não quero saber quando as palavras doem. Quando as palavras modificam. Se modificam. Quando a incontinência verbal dá azo a flexões que me vergam, a síncopes em que desmaio , a aféreses que teimo em subtrair à inconsciência do meu próprio discurso, e se vislumbram as regras injustas da mudança que me deixa desregrado. Quanta teimosia há nas palavras que rebatem na escuridão dum muro alto que nunca vimos ser feito à nossa frente. É uma construção mecânica, que só nos apercebemos quando já a luta se prolonga sozinha, porque nós nunca a abandonamos. Ou ela a nós. É um raio de luz que se extingue subitamente, porque se pensou no que nós não pensamos. Porque tudo era cosmos, e nós jamais fomos estrelas. Porque só o disseram que fariam porque tu querias. Porque nada corta mais do que te estarem apenas a fazer a vontade. Nada nunca foi tão claro como o absoluto obsoleto ser que agora sentes que és. E tudo o que resta, é aquele dicionário, que nunca jamais em tempo algum conseguirá dizer tudo aquilo que alguma vez significaste, quando julgavas tu estar a ser alguém.
Para alguém. Para ninguém.

6 comentários:

* misty * disse...

tens razão, as palavras caducam... até elas têm prazo de validade. e alguns esquissos do que já foi parecem desprovidos de significado no agora. existem tempos ausentes que não voltam mais e outros que chegaram entretanto, com palavras novas, ou as mesmas com significados renovados, impensáveis, virgens, que tocam e doem de maneira diferente, que me desenham a mim mesma como um ser diferente. as palavras, aquelas que realmente fazem sentido, sejam de hoje ou de outros dias, modificam sempre algo, e deixam inevitavelmente a sua marca. seja na poeira do esquecimento ou no coração da memória. e por mais obsoleto que seja o absoluto do que já não é, existe sempre um eco de sons dessas palavras tão longínquas. mas a verdade é que nem sempre conseguimos distinguir o que ele nos quer dizer. e bem, talvez seja melhor assim!...

beijo :)
@

Anónimo disse...

Por vezes é nas palavras que doem que mais tarde encontramos alivio para essa e outras dores, nessas palavras vazias que, posteriormente, preenchemos de significado(s). Sim, é melhor não querermos saber delas, que apenas nos saibam elas a nós, quiçá, até melhor doq nos sabemos.

"Para alguém. Para ninguém.", se me permites vou-me incluir nesse ninguém e achar que o texto foi para mim. A condição de leitores da nos destas regalias;) ainda que possam ser abusivas... eheh

Muito Bom! Ainda que absoluto, ainda que obsoleto, como na realidade nada chegar a ser...

patricia disse...

O obsoleto não existe. Nós queríamos que existisse, que chegasse e nos arrebatasse. Que levasse para longe, que nos dissesse que faz parte do passado. Não faz, nunca fez e nunca fará!

O absoluto não existe. Nós queríamos que existisse, que chegasse e nos arrebatasse. Que nos levasse para longe, que nos dissesse que faz parte do futuro. Não faz, nunca teve intenção de fazer e nunca fará.

Olharemos sempre para a casa de partida e por muitos dados que se lancem, sairão sempre bolinhas a mais e teremos de bater na casa de chegada e voltar para trás até termos o número certo para chegar e dizer "Venci". O número certo nunca sai. E a bolinhas tantas estamos outra vez na casa de onde partimos a começar o caminho de novo!

***

patricia disse...

Porque me apeteceu comentar dois em um e porque me apeteceu devanear antes de ir dormir... angústias de um sono que não chega e é esperado com ansiedade!

***

IpsaEgo disse...

"Com as palavras todo o cuidado é pouco, mudam de opinião com as pessoas."

"...as palavras são rótulos que se pegam às coisas, não são as coisas, nunca saberás como são as coisas, nem sequer que nomes são na realidade os seus, porque os nomes que lhes deste não são mais do que isso, os nomes que lhes deste."

As Intermitências da Morte, José Saramago

Unknown disse...

Creio que as palavras só caducam quando já não dizem a verdade do que queremos dizer. Aí de facto, elas perdem o significado no presente.
Mas revelam o passado.
Com o futuro nascem outros significados, mas não apagam o que já foi escrito.
Já rasguei folhas e queimei cadernos.
Mas as palavras continuaram lá.
As mesmas de agora, no entanto outras.*